sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Resoluções dos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente

A criação dos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente deve ser, por isso, decorrente de figuras legislativas próprias e específicas de cada uma daquelas esferas de governo, isto é, federal, estaduais e municipais, senão, em virtude mesmo do pacto federativo, segundo o qual tais entes jurídicos de direito público interno possuem âmbitos de competência limitados a suas respectivas autonomias. Não fosse isto, observa-se que no regime democrático do Estado de Direito brasileiro a criação, organização, sistematização, estruturação e funcionalidade de instituições públicas, por certo, demandam previsão legal (princípio da legalidade) cuja preceituação, na verdade, limita o âmbito de discricionariedade administrativa daquelas instâncias de governo.
O mencionado inc. II, do art. 88, do Estatuto, também, preceituou a natureza jurídica dos Conselhos dos Direitos reconhecendo-lhes, pois, como “órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis”, bem como lhe determinou metodologia democrática e constitutiva própria, estimulando, assim, a “participação popular paritária por meio de organizações representativas”, quando, não, declarando que a função dos membros de tais Conselhos “é considerada de interesse público relevante”, conforme dispõe o art. 89, do Estatuto. No entanto, convém ressaltar que os Conselhos dos Direitos se encontram no marco das diretrizes da “Política de Atendimento dos direitos da criança e do adolescente”, a qual se realiza “através de um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais”, nos termos do art. 86, do Estatuto.
Em face disto, é pertinente não só jurídico-legal, mas, também, politicamente, entender que as decisões adotadas pelos Conselhos dos Direitos, no fundo, constituem-se em resoluções, isto é, em determinações normativas e, por isso, vinculativas de instituições legal e democraticamente constituídas para o estabelecimento de políticas públicas que se constituem em parâmetros, diretrizes, orientações, fontes de lei e do Direito da Criança e do Adolescente.
As decisões adotadas por deliberações que são oriundas do amplo e democrático debate plural que devem ser estabelecidos nos Conselhos dos Direitos – seja o Nacional (CONANDA)[1], sejam os Estaduais, sejam os Municipais –, constituem-se, na verdade, em resoluções, precisamente, por estabelecerem políticas públicas, consoante dispõe o inc. II, do art. 88, da Lei Federal nº 8.069, 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), pois cuidam de assuntos e temáticas que importam na prevenção, promoção e defesa dos direitos e garantias afetos à infância e juventude. Os mecanismos estabelecidos legalmente para que os Conselhos dos Direitos possam adotar decisões através de deliberações colegiadas acerca das “formas, meios e modos”[2] para priorização absoluta dos direitos afetos à infância e à juventude, enquanto políticas públicas de atendimento e correção das “ações em todos os níveis”.
Não se pode olvidar, a adoção e existência de resoluções recomendativas que são utilizadas para comunicar e solicitar de outros órgãos e instituições públicas o desenvolvimento de estratégias em rede que são inerentes a suas respectivas atribuições legais, respeitando-se, assim, a independência e autonomia administrativa e funcional de tais entidades públicas.
Porém, o reconhecimento de distintas espécies de resoluções –normativas (determinativas) e recomendativas – e a finalidade (destinação) a que se dirigem, importa, pois, na confirmação de que, em regra, as resoluções são determinações vinculativas que obrigam o legislador, o julgador e o administrador público[3], como, por exemplo, restou consignado na decisão judicial proferida pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça a partir do relatório lavrado pela Ministra Eliana Calmon, para quem, “a execução de política específica, a qual se tornou obrigatória por meio de resolução do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente”, pode ser exigida e tutelada judicialmente “a fim de atender as propostas políticas certas e determinadas.”[4].
Ademais, pontue-se que todo e qualquer imperativo legal deve ter ampla publicidade, em decorrência mesmo da exigência ético-política de transparência administrativa que se impõe para o tratamento de assuntos cujo interesses pertence a todos. Para além disto, busca-se através da publicidade das resoluções adotadas pelos Conselhos dos Direitos não só o conhecimento das ações e programas específicos (políticas públicas), mas, principalmente, a “mobilização da opinião pública no sentido da indispensável participação dos diversos segmentos da sociedade”, nos termos do que dispõe o inc. VI, do art. 88, do Estatuto.
A mencionada figura legislativa – inc. VI, do art. 88, do Estatuto –, preceitua que a mobilização da opinião pública se constitui numa das diretrizes da política de atendimento da criança e do adolescente. Entretanto, não é apenas isto, pois tal mobilização também se destina ao senso comum jurídico-legal, bem como às demais instâncias de poder (legislativo, administrativo e judiciário), enquanto vertentes das diretrizes e linhas de ação da política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente.
E isto jurídico-legalmente se opera através da indispensável publicação oficial das resoluções normativamente deliberadas e emanadas pelos Conselhos dos Direitos, “cujas determinações vinculam a vontade do administrador público” – como afirmou a Ministra Eliana Calmon –, impondo-se, pois, a sua publicação no diário oficial respectivo (da União, dos Estados ou dos Municípios), para que, assim, possam ter iniciado os seus efeitos legais externos[5].
Pois, como se viu, as resoluções emanadas dos Conselhos dos Direitos, uma vez publicadas nos respectivos Diários Oficiais[6], tornam-se determinações vinculativas que demandam o integral cumprimento de programas previamente deliberados e estabelecidos por aqueles conselhos enquanto expressões das ações conjuntas das entidades governamentais e não-governamentais orientadas pelo primado constitucional da descentralização político-administrativa que se opera através do viés paritário.
Os Conselhos dos Direitos enquanto órgãos deliberativos devem observar o regime democrático, aqui, respeitado através do asseguramento da “participação popular paritária”, pois, tal estratégia não pode se constituir numa mera metodologia decisionista sobre assuntos de interesse público que são pautados naquelas espacialidades públicas da palavra e da ação[7].
No fundo, as resoluções alcançadas por meio de ampla discussão deliberativa deve continuar sendo representativa do movimento social participativo e popular, como bem pondera Paulo Afonso Garrido de Paula[8], para quem o Estatuto da Criança e do Adolescente ao dispor sobre a responsabilidade social através da regulamentação das “formas de democracia participativa ao instituir conselho de direitos e tutelares, redefiniu a política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente, enunciando suas linhas de ação e diretrizes.”. Em conclusão, é possível dizer que as decisões tomadas pelos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente, através de deliberações democráticas (paritárias e plurais), constituem-se em resoluções, e, não, meramente, em deliberações em si, pois projetam seus efeitos para além do âmbito administrativo-funcional de tais Conselhos, vinculando, então, as “ações em todos os níveis”, haja vista que são órgãos controladores das políticas públicas de atendimento que se operem pelo “conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais.”.
[1] DEL-CAMPO, Eduardo Roberto Alcântara e OLIVEIRA, Thales Cezar. Estatuto da criança e do adolescente. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 114-118. (Série Leituras Jurídicas: provas e concursos; v. 28). De acordo com os Autores, “essa distribuição cria uma relação de hierarquia e complementaridade entre os entes públicos e a sociedade civil. Hierarquia porque para a União fica a tarefa de emitir as normas gerais e coordenar a política de atendimento aos direitos do menor; (sic) aos Estados o apoio técnico e financeiro aos Municípios; e para estes últimos, a concretização dos programas de atendimento e apoio ao menor (sic). Complementaridade porque existe uma relação de interdependência dos entes governamentais entre si e deles para com a sociedade, sem a qual nenhuma política efetiva poderia ser implementada.”.
[2] SILVA, Antônio Fernando do Amaral; MENDEZ, Emílio Garcia; e CURY, Munir. Estatuto da criança e do adolescente comentado. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 271-281. Em comentários, anota-se que o art. 204 da Constituição da República de 1988 “institui três princípios para essa forma participativa da formulação política: 1) o princípio da deliberação – ou seja, as esferas governamental e não governamental adotarão, conjuntamente, deliberações acerca de como se aplicará o art. 227 da CF, no seu âmbito de atuação (municipal, estadual ou federal), tendo como normas gerais de sua conduta o Estatuto. O Conselho não pode deliberar sobre matéria privativa de outros âmbitos da Administração Pública. Juridicamente, só tem poderes para agir nos limites das normas estatutárias; 2) o princípio do controle da ação – por este princípio, governo e sociedade também se unem para comparar as ações levadas a efeito em torno da criança e do adolescente com as normas gerais presentes no Estatuto e verificar se há desvio. Havendo, deliberam formas, meios e modos para sua correção. Trata-se, portanto, de um moderno mecanismo social de retroalimentação, que busca a eficácia da norma; 3) o princípio da paridade – a junção de dois atores sociais coletivos, governante e governado, para deliberar sobre políticas e controlar ações delas decorrentes não teria o caráter de freio ao arbítrio, nem de contrapeso ao desvio da norma, se não se lograsse equilibrar a balança.”.
[3] MARÇURA, Jurandir Norberto; CURY, Munir e PAULA, Paulo Afonso Garrido de. Estatuto da criança e do adolescente anotado. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 82. De acordo com os autores, as “deliberações emanadas desses órgãos possuem força normativa, vinculando a vontade do Administrador Público, nos respectivos níveis de atuação (federal, estadual e municipal).”.
[4] BRASIL, STJ – Resp. 493.811/SP (2002/01696619-5) – Segunda Turma – Rel. Min. Eliana Calmon – por maioria – j. em 11.11.2003 – DJ 15.03.2004, p. 236.
“ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO: NOVA VISÃO. 1. Na atualidade, o império da lei e o seu controle, a cargo do Judiciário, autoriza que se examinem, inclusive, as razões de conveniência e oportunidade do administrador. 2. Legitimidade do Ministério Público para exigir do Município a execução de política específica, a qual se tornou obrigatória por meio de resolução do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. 3. Tutela específica para que seja incluída verba no próximo orçamento, a fim de atender a propostas políticas certas e determinadas. 4. Recurso especial provido. (...) a demanda visa unicamente o cumprimento de imperativo legal em consonância com deliberação normativa emanada do Conselho Municipal, cujas determinações vinculam a vontade do administrador público (art. 88, II do ECA) e que, por isso, não é o autor ou o Judiciário que pretendem determinar que o Prefeito, na elaboração das futuras leis orçamentárias, destine recursos suficientes para a execução de projeto destinado ao tratamento da drogadição de crianças, adolescentes e respectivos pais, mas sim a Constituição Federal, o ECA e o próprio Conselho Municipal. (...) implementação de um programa adredemente estabelecido por um órgão do próprio município, o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, com função normativa fixada em conjugação com o Estado (Município) e a sociedade civil. (...) a) inserção em plano plurianual e na lei orçamentária anual, com destinação privilegiada de recursos públicos para o programa; b) observância da Resolução 4/97 e das Constituições, Federal e Estadual e da Lei Orgânica do Município; e c) inclusão no orçamento de previsão de recursos à implementação do programa de atendimento aos viciados, nos termos do projeto. (...) A posição do TJ/SP deixa a reboque do Executivo Municipal fazer ou não fazer o determinado pelos seus órgãos, pela Lei Orgânica e pela Constituição, bastando, para o non facere, escudar-se na falta de verba. Se não havia verba, porque traçou ele um programa específico? Para efeitos eleitoreiros e populares ou pela necessidade da sociedade local? O moderno Direito Administrativo tem respaldo constitucional suficiente para assumir postura de parceria e, dessa forma, ser compelido, ou compelir os seus parceiros a cumprir os programas traçados conjuntamente. Com essas considerações, dou provimento ao recurso especial para julgar procedente em parte a ação ministerial, determinando seja reativado em sessenta dias o programa constante da Resolução 4/97, devendo ser incluído no próximo orçamento Municipal verba própria e suficiente para atender ao programa.”.
[5] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 15ª ed. São Paulo: RT, 1990, p. 81-84. Para o Autor, a publicidade é um dos princípios básicos da atividade administrativa, pois, trata-se de “divulgação oficial do ato para conhecimento público e início de seus efeitos externos. (...) para adquirirem validade universal (...) é requisito de eficácia e moralidade. (...) Em princípio, todo ato administrativo deve ser publicado, porque pública é a Administração que o realiza (...) visa propiciar o seu conhecimento e controle pelos interessados diretos e pelo povo em geral (...) A publicidade, como princípio de administração pública (Const. Rep., art. 37, caput), abrange toda atuação estatal, não só sob o aspecto da divulgação oficial de seus atos como também de apropriação de conhecimento da conduta interna de seus agentes.”.
[6] MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit. O Autor esclarece que a “publicação que produz efeitos jurídicos é a do órgão oficial da Administração, e não a divulgação pela imprensa particular, pela televisão ou pelo rádio, ainda que em horário oficial. Por órgão oficial, entende-se não só o Diário Oficial das entidades públicas, como também os jornais contratados para essas publicações oficiais.”.
[7] ARENDT, Hannah. A condição humana. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997.
[8] PAULA, Paulo Afonso Garrido. Direito da criança e do adolescente e tutela jurisdicional diferenciada. São Paulo: RT, 2002, p. 50 e 51. Segundo o Autor, com as “inovações introduzidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, anote-se que prescreveu responsabilidade social ao conjunto das pessoas físicas e jurídicas, disciplinando a tutela preventiva, destinada a atalhar a ocorrência de ameaça e violação aos direitos da criança e do adolescente, impondo a todos o dever de respeitar, quando do fornecimento de informação, cultura, lazer, esportes, diversões, espetáculos, produtos e serviços, a condição peculiar de pessoas em processo de desenvolvimento. Regulamentou formas de democracia participativa ao instituir conselhos de direitos e tutelares, redefiniu a política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente, enunciando suas linhas de ação e diretrizes.”.

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